quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo

“… Aos leigos engajados, como filhos da Igreja e em nome da sua fé, nas tarefas temporais; aos leigos que, por algum motivo, estão pouco empenhados, para que se sintam estimulados a tomar seu lugar na Igreja e no mundo…” (Mensagem do Papa aos Bispos do Brasil, 4 abril de 1986).


1. Desafios que a realidade hoje apresenta à Igreja
Após duas décadas de um regime que consolidou, no Brasil, um modelo autoritário de capitalismo concentrador de riqueza, vivemos um período de transição que traz esperança de um futuro melhor.
Para que esta esperança se torne realidade devemos superar os muitos obstáculos que hoje impedem que se viva conforme a dignidade própria de filhos de Deus.
Dentre tais obstáculos, assinalamos aqueles que são, hoje, os principais desafios à missão evangelizadora da Igreja.

Em primeiro lugar, os problemas do mundo do trabalho urbano e rural: a situação angustiante dos desempregados, “dos subempregados”, dos que ganham salário mínimo e uma grande maioria da economia submersa que ganha menos ainda que um salário mínimo e dos milhões de trabalhadores rurais sem terra.
A nobre luta pela justiça social, onde se destacam a luta dos trabalhadores pelos seus direitos e a luta pela terra, no campo e na cidade, é indispensável para que a Igreja tenha credibilidade no anúncio do Reino.

Outros desafios no mundo político: Saudamos o fim do regime autoritário e a convocação de uma constituinte, mas já manifestamos nossa apreensão sobre os caminhos adotados para a sua concretização, à medida que vemos limitada a participação popular nesse processo, do qual deveria emergir uma nova ordem social justa e igualitária.
É preciso que o atual momento político seja ocasião para a consolidação de um poder realmente emanado das bases populares para que não sejam frustradas as esperanças de milhões de brasileiros.
Observamos, apreensivos, recuos em medidas que visam atender às aspirações urgentes do nosso povo. Dentre estes, destacamos os que se observam na questão da reforma agrária, cujas reformas foram anunciadas em termos corajosos num primeiro momento, não se confirmando até hoje as medidas então prometidas.

Desafios importantes é também o que traz o mundo da cultura, onde se assiste hoje à difusão manifestante da cultura consumiste eliminando o potencial criativo do nosso povo; sem negar o valor das técnicas e das ciências, temos que conjugá-las com nossas raízes culturais mais autênticas, sem submissão a modelos culturais pré-fabricados.

Assinalamos também o desafio presente no mundo da família, principalmente no caso das famílias pobres, às quais falta o apoio da sociedade para que tenham uma vida digna e que ficam entregues à própria sorte, particularmente os menores e as mulheres.
Ultrapassando os limites da área familiar, surge ainda como desafio a desigualdade entre homem e mulher, que nem a sociedade, nem a Igreja conseguiram alterar positivamente.
À mulher cabe sempre o serviço, a responsabilidade mal repartida, o salário desigual, a participação dificilmente conquistada e o poder de decisão inatingível.

Enfim, lembramos a situação da juventude, sujeita a todos esses desafios e que deve encontrar meios próprios para enfrentá-los. Todos esses desafios da realidade brasileira são hoje um apelo à Igreja para engajar-se de modo cada vez mais profundo e corajoso no grande movimento histórico de construção de uma nova sociedade justa e fraterna.

2. Como a Igreja está respondendo aos desafios: fatos notáveis
Frente aos grandes desafios, a Igreja vem buscando respostas, algumas das quais podem ser qualificadas de notáveis pelos seus efeitos especialmente benéficos quanto à nova forma de sua presença no mundo. São também notáveis por realizarem concretamente o projeto da Igreja definido pelo Concílio Vaticano II.
2.1. As comunidades eclesiais de base (CEBs)
As CEBs, nova forma de ser Igreja, de ser Povo de Deus, multiplicam-se hoje no Brasil e em quase toda América Latina, recuperando a identidade das comunidades primitivas descritas nos Atos dos Apóstolos.
Nascidas entre os pobres e oprimidos, as CEBs e as Pastorais específicas são hoje o mais eloquente testemunho da Igreja que, compreendendo o sentido histórico da irrupção do Reino, vai comprometendo a todos na tarefa de edificá-lo desde aqui e agora através das conquistas parciais e imperfeitas que o antecipam. Esse espírito que anima as CEBs, mostrando a força dos fracos, as torna um dos mais notáveis fatos da vida da Igreja após o Concílio.

2.2. As Assembleias do Povo de Deus
As Assembleias Diocesanas e outras formas de participação conjunta de leigos e hierarquia nas decisões da Igreja, tornam hoje palpável a proposta de corresponsabilidade do Povo de Deus nos organismos decisórios que iluminam e animam. Nessas Assembleias todos participam e se respeitam mutuamente, reconhecendo a dignidade que a todos confere o Batismo. Assim se realiza a proposta do Concílio, que define a Igreja não mais a partir da hierarquia, mas como um povo igualmente comprometido na sua missão evangelizadora, no qual exercem diferentes ministérios igualmente dignos e necessários ao anúncio efetivo do Reino.

2.3. A Palavra de Deus na vida
A descoberta da Bíblia no pós-Concílio veio marcada por sua estreita participação com os fatos da vida cotidiana, através da reflexão comunitária, como se dá nos Círculos Bíblicos e nos grupos de reflexão. O texto bíblico vai sendo aprendido em confronto com os fatos vividos na comunidade, principalmente os fatos onde se revelam os desígnios de Deus para os pobres e pequenos que sofrem. Essa ligação entre a Bíblia e a vida é a fonte de fé, esperança e amor nas comunidades e é ela que anima a caminhada em busca do Reino.

2.4. O compromisso dos cristãos no mundo
A crescente integração entre fé e vida, fé e atuação transformadora, fé e compromisso político, torna hoje explícito o sentido último e decisivo de nossa ação no mundo: trata-se da antecipação do Reino que não se esgota nas limitadas conquistas históricas, mas passa necessariamente por elas. Se noutras eras também houve homens e mulheres, cristãos ou não, que de muitas maneiras lutaram pela libertação integral do homem, no passado era obscura a relação entre sua ação e as exigências da fé cristã. Hoje a vivência da fé cristã exige o compromisso de ação no mundo, o testemunho, o profetismo, e até a aceitação do martírio por fidelidade à missão. A compreensão cada vez mais difundida desta relação entre fé e compromisso na história é um dos fatos mais notáveis nesta Igreja de tantos mártires, em nosso país e no conjunto da América Latina.

3. Questões colocadas a partir da nossa prática
Esta caminhada da Igreja não se faz sem problemas. Enfrentando desafios novos e buscando novas formas de ação, encontramos pela frente lacunas e deficiências que nos atingem diretamente enquanto leigos. Não podemos agora recorrer a antigas fórmulas, por mais que valorizemos as experiências passadas, pois a fidelidade à Tradição e ao presente exige que encontremos maneiras novas de viver a mesma fé de sempre.

3.1. Quanto à presença no mundo
Nas nossas práticas concretas vamos construindo nossa identidade como aquela porção do Povo de Deus que mais profundamente penetra a massa a ser fermentada pela presença da Igreja e o anúncio da sua mensagem, na convivência cotidiana com todos os homens e mulheres. Se a Hierarquia tem a função de animar e celebrar sacramentalmente a missão da Igreja, a nós, leigos, cabe tornar efetiva essa mesma missão em todos os ambientes, em todos os grupos humanos, em todas as estruturas que devem ser humanizadas. Mas nem sempre somos identificados como Igreja, nem reconhecidos como presença da Igreja no mundo. É preciso, portanto, encontrar novas formas de reconhecimento do leigo para que nossa presença no mundo seja por todos vista como presença da Igreja.
Nossa espiritualidade é hoje encarnada na história, na efetiva vivência do compromisso transformador do mundo como opção de fé. A fidelidade à missão vem dar novo sentido à celebração sacramental, aos momentos fortes da expressão ritual, vinculando-se intimamente à nossa vida. Nossa forma de seguir Jesus, ou espiritualidade, tem como marca a luta pela vida e vida em abundância. Precisamos ainda aprofundar essa espiritualidade para que nossa ação seja sempre impregnada pela fé que lhe dá seu sentido último e decisivo.
Os atuais desafios que enfrentamos exigem melhor formação para o laicato. Ela deve ser formação na ação, isto é, partindo da ação sempre avaliada, criticada e interpelada pelo Evangelho. É preciso que nossas práticas sejam corrigidas ou reformadas, à luz da Palavra de Deus, para que sejam realmente fecundas. Além disso, muitos leigos são chamados a uma formação mais sistemática que lhes permita assumir tarefas especiais na Igreja, inclusive na área teológica. É bom que recebam uma formação conjunta com os clérigos, como já tem ocorrido.

3.2. Quanto ao lugar na Igreja
O leigo, homens e mulheres em condições de igualdade, tem o direito e o dever de participar da vida da Igreja. Por isso devemos participar ativa e responsavelmente das instâncias de decisão, de modo a assumir a missão da Igreja como nossa missão. A experiência de participação nas Assembleias do Povo de Deus, nos Conselhos e em outros organismos pastorais tem sido positiva e deve ser avaliada e incentivada.
O leigo é também desafiado a organizar-se autonomamente em estruturas eclesiais intermediárias: associações, movimentos, pastorais específicas e outras formas de articulação que melhor nos preparem e apoiem para o desempenho da nossa missão. A organização do laicato deve ser sempre intimamente articulada com a participação na comunidade eclesial, nos seus diversos níveis. Por isso esperamos ver incentivadas essas iniciativas, através das quais viveremos mais efetivamente a comunhão eclesial e aportaremos à Igreja nossa contribuição específica.

Conclusão
Aqui estão colocados em comum, nossa vivência, nossa visão, nossos problemas de leigos engajados à luz da fé e segundo os ensinamentos do Vaticano II.

Conselho Nacional dos Leigos (CNL)



A identidade das CEBs

1. As origens das CEBs

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram no Brasil como um meio de evangelização que respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico dos anos da ditadura militar e, ao mesmo tempo, como uma forma de adequar as estruturas da Igreja às resoluções pastorais do Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965. Encontraram sua cidadania eclesial na feliz expressão do Cardeal Aloísio Lorscheider: “A CEB no Brasil é Igreja — um novo modo de ser Igreja”.
Em 1979, reunidos em Puebla, os bispos latino-americanos firmaram o seguinte compromisso:
Como pastores, queremos resolutamente promover, orientar e acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo com o espírito de Medellín e os critérios da Evangelii Nuntiandi; favorecer o descobrimento e a formação gradual de animadores para elas. Em especial, é preciso procurar como podem as pequenas comunidades, que se multiplicam nas periferias e zonas rurais, adaptar-se também à pastoral das grandes cidades do nosso continente” (Pb 648).
Os bispos do Brasil já haviam feito a opção pelas “comunidades de base” desde 1966, para tornar a Igreja mais viva, mais corresponsável e mais integrada. As CEBs foram consideradas atividade “urgente” pelos bispos, para renovar as paróquias. Esse plano foi sistematizado e lançado em 1968, pela Editora Vozes, na obra do Pe. Raimundo Caramuru Comunidades eclesiais de base: uma opção decisiva.
E o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985, em Roma, afirmou:
“Sendo que a Igreja é comunhão, as novas ‘comunidades eclesiais de base’, se verdadeiramente vivem em unidade com a Igreja, são uma verdadeira expressão de comunhão e início para construir uma comunhão mais profunda. Por isso, são motivo de grande esperança para a vida da Igreja”.
O teólogo Leonardo Boff, falando sobre o termo “eclesial” das CEBs, em seu livro Eclesiogênese, diz:
“O adjetivo ‘eclesial’ é mais importante do que o substantivo ‘comunidade’ porque ele é o princípio constituinte e estruturante da comunidade. A inspiração religiosa e cristã aglutina o grupo e confere a todos os seus objetivos, também aqueles sociais e libertadores, características evangelizadoras. A consciência e a explicitação cristã constitui, portanto, a característica das CEBs e o elemento de discernimento face a outros tipos de comunidade”.
As CEBs, fruto da eclesiologia do Vaticano II e nascidas especificamente para atualizar a Igreja e adaptá-la ao mundo atual, tiveram profundas implicações na Igreja e na sociedade.
Devido ao contexto específico da sociedade brasileira, que vivia sob o regime de exceção, com cerceamento dos direitos civis, as CEBs se tornaram uma plataforma válida e eficiente para as mudanças sociais, apresentando ainda as bases de uma nova sociedade.
Hoje, passada a euforia inicial e tomando a devida distância, podemos constatar que as CEBs estão na raiz de vários movimentos sociais e têm contribuído para a formação de muitas lideranças no campo social e político. Foram responsáveis também pela formação de lideranças leigas no interior da Igreja, que assumiram o jeito de viver e celebrar a fé de uma maneira nova. Muitas vocações religiosas e sacerdotais foram despertadas pelas CEBs, possibilitando uma nova imagem do(a) consagrado(a).
No início do cristianismo, quem tentava viver como Jesus viveu, conforme seu testemunho e ensinamento, era identificado como alguém que estava no caminho, na caminhada. Não é fora de propósito que, em grego, caminho é método. As CEBs foram capazes de criar um método novo de ler a Bíblia, de celebrar a fé e de olhar a realidade. E, identificados com este novo método, o caminho, muitos foram tombados, deram a vida, foram martirizados. A profecia e o martírio têm sido uma das marcas mais fortes das CEBs. Além disso, as CEBs têm participado do amplo movimento de promoção e restauração da ética na economia, na política, na cultura, nas relações de gênero, nas relações ecológicas etc.
Em razão dos volumosos problemas humanos, com sua orientação excludente, que o atual sistema neoliberal vem criando em níveis globais, as CEBs têm procurado formar cristãos(ãs) “adultos(as) na fé”, desejosos de uma Igreja que leve adiante as intuições e teses do Concílio Vaticano II. Em linhas gerais, querem:
— uma Igreja inserida na complexidade de seu momento histórico, com a audácia tanto de ser profética como de estar aberta a aprender dos outros, das outras tradições cristãs e das outras religiões e culturas;
— assumir os valores do mundo moderno, acolhidos pelo Concílio Vaticano II, no campo institucional, teológico e pastoral;
— reformar as estruturas de governo da Igreja, ação capaz de desencadear outras reformas;
— autonomia das conferências episcopais e mais autonomia das Igrejas locais;
— maior protagonismo dos(as) leigos(as) no âmbito dos ministérios;
— reconhecimento canônico-jurídico das CEBs como Igreja;
— cultivar uma espiritualidade libertadora, enraizada no seguimento de Jesus Cristo, comprometida com os(as) excluídos(as).

Passadas quatro gerações, as CEBs construíram sua história e hoje são conclamadas a se pronunciar sobre sua identidade.
Talvez muitas pessoas tenham a impressão de que as CEBs sejam algo do passado ou que desapareceram. Mas, na verdade, elas estão presentes e são atuantes, com grande vitalidade. Mesmo que estejamos vivendo numa conjuntura socioeclesial desafiadora, e não obstante suas evidentes contradições, este é um contexto favorável às CEBs.

2. A eclesialidade das CEBs
Depois do Concílio Vaticano II, as CEBs cresceram rapidamente pelo Brasil e pela América Latina e também por outros continentes.
D. Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana-MG, que esteve à frente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) por vários anos, assegura-nos de que pensava que toda a Igreja deveria se tornar CEBs. Ele próprio empenhou-se nesse projeto. Hoje, afirma pensar da seguinte forma: a Igreja é chamada a ser sinal do Reino de Deus para o mundo, e as CEBs são chamadas a ser um sinal para a Igreja. Ainda que minoritárias e de menor visibilidade, continuam sendo fermento do evangelho, ajudando a Igreja a não perder de vista seu ideal.
Estamos num momento de mudança, com o término do longo pontificado de João Paulo II e o início do pontificado de Bento XVI. Como se trata de uma nova fase, podemos contribuir na construção deste momento, elaborando novos projetos para a Igreja e a sociedade para os próximos anos.
Numa Igreja de CEBs e não apenas com CEBs, como tem insistido o teólogo João Batista Libanio, as CEBs providenciarão para que os fiéis descubram que o mais importante na Igreja é que participemos em todos os níveis, criando nela uma cultura de comunhão e participação. Que celebremos a nossa fé em comunidade. Que não somente o padre, a freira ou os coordenadores construam o ato religioso, mas a comunidade toda forje a própria liturgia, organize também os serviços, as pastorais, e abra caminhos novos. Então, quanto mais participativos forem seus membros, mais viva será a CEB: solidária, participativa e missionária.
Uma CEB que saia de si e queira levar para outras comunidades seu ânimo, seu entusiasmo e suas descobertas se fortalecerá e poderá ser estímulo para que as outras sejam também solidárias, participativas e evangelizadoras.
É uma premissa para as CEBs o alerta de D. Pedro Casaldáliga: “Que assumamos nosso batismo, sejamos mais audaciosos em nossas propostas e tenhamos uma visão de totalidade, globalizante.”

3. Em busca do sentido
Outro fator igualmente promissor para as CEBs, ainda que não o pareça, é o surgimento do fenômeno religioso. Assistimos a uma sede enorme de religião, a uma busca do sagrado e a uma procura de sentido da vida que perpassa todos os setores e segmentos sociais.
Diante das crises existenciais e das dificuldades impostas pelo modelo de sociedade atual, muitos estão buscando, de uma forma ou de outra, meios adequados, espaços próprios onde possam sentir-se abrigados, protegidos e humanizados. Por isso, buscam proximidade com uma força maior ou com uma presença maior e percebem que essa grande força que procuram os levará, em última instância, ao encontro com a divindade, com Deus.
Essa nova situação religiosa pode, por um lado, alienar as pessoas do compromisso social e da vida comunitária, mas por outro, pode ser uma das plataformas válidas para a implantação das CEBs.
As CEBs não só aproveitam desse fator religioso para se animarem, fazerem uma experiência religiosa de qualidade, mais profunda e mais próxima desse mundo de Deus — o que lhes dá mais força e credibilidade — como também tomam consciência de que a força encontrada nessa experiência religiosa anima a vida comunitária.
Ao se engajarem na realidade local, os participantes das CEBs fazem com que essa força não termine neles mesmos, pois toda experiência religiosa de qualidade não é o término, mas uma oportunidade para saírem de si e se engajarem.
Comprovamos a verdadeira experiência de Deus quando ela nos leva a sair de nós mesmos e nos comprometer com o outro, com sua dignidade, com as causas sociais, com os pobres, com a inclusão das pessoas. Isso é experiência religiosa de qualidade, que possibilita um sentido à vida.
Outro elemento importante é a valorização da Bíblia. A Bíblia, vista como a Palavra de Deus, está cada vez mais presente na evangelização. Os leigos estão buscando estudar mais teologia. Há cursos de Teologia e de Bíblia em muitas comunidades, e a descoberta do Ofício Divino das Comunidades tem possibilitado a muitos leigos uma vivência madura de espiritualidade.
Mesmo que a conjuntura atual não favoreça a visibilidade das CEBs, elas estão aí e abrem novos horizontes e novas oportunidades; continuam animadas e atuantes, embora de uma maneira diferente dos tempos do início.

4. Os desafios da sociedade
O regime político neoliberal tem provocado reações em todo o mundo. Ele é como uma canoa furada. Seus efeitos desastrosos para a humanidade e a natureza, comprometendo a vida no planeta, têm-se intensificado. Mas, ao mesmo tempo, dentro do sistema, continua nascendo e se constituindo uma cultura de solidariedade em âmbitos globais.
Com efeito, diante da pregação neoliberal do fim da história e do fim das utopias, as cinco edições do Fórum Social Mundial, ao apontarem para a necessidade da construção de um outro mundo possível, constituem a grande vitória simbólica de todas as forças humanitárias, quebrando a hegemonia neoliberal, fazendo-o dobrar-se diante das utopias.
A partir das bases, as forças populares, articuladas com outras forças em forma de rede, também em nível global, estão apontando um novo rumo para onde a humanidade deve caminhar: para a cultura da solidariedade. Pois a cultura envolve as pessoas por todos os lados: manifesta-se nos símbolos, nos comportamentos, nos gestos, nas atitudes, nas palavras, na linguagem, na arte e na maneira de organizar a sociedade em todos os níveis.
As CEBs, como uma das gestoras de novos sujeitos que constroem o outro mundo possível, imprimem na sociedade a cultura da solidariedade, de tal maneira que os seus membros vivem constantemente na perspectiva da solidariedade.
Tal como a solidariedade é a questão da democracia. Herbert de Souza, o Betinho, dizia: “Democracia não é só um regime, democracia deve ser uma cultura. Eu devo ser democrático com os filhos, com a esposa e vice-versa, com a funcionária, com a empregada de casa. A democracia deve permear toda nossa existência”. E mais: “Nós só mudaremos o país se mudarmos a cultura”. Uma mudança puramente econômica, sem mudar a cultura, não transforma a realidade.
As CEBs procuram ser agentes de transformação tanto na Igreja como na sociedade, em parceria com todos os grupos que apostam não apenas na transformação, mas na transfiguração da humanidade.
Com sua dinâmica própria, os Intereclesiais têm significado a afirmação do compromisso cristão, por parte da Igreja no Brasil, de engajamento concreto na sociedade, como promotora e defensora da vida em todas as suas manifestações e construtora de uma nova cultura.
Com base em nossa fé no Deus da vida, afirmamos, em nome das CEBs: “não temos esperança”, somos esperança, porque acreditamos nas possibilidades de transformações transfiguradas e procuramos criar em nós o espaço necessário para que o Deus da vida tenha a liberdade de agir em nós, por nós e apesar de nós.
E mais: as CEBs não são o futuro da Igreja. O fato é que, sem as CEBs, a Igreja não terá futuro.
D. Pedro Casaldáliga, quando perguntado sobre o que restou da Teologia da Libertação, respondeu com ironia teológica: “Sobraram apenas duas palavras: Deus e os pobres”.

Pe. Nelito Nonato Dornelas

terça-feira, 27 de setembro de 2016