D. Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora.
As CEBs nos tempos atuais: Problema ou Solução?
Muita gente se pergunta pela atualidade das CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base), isto é, se ainda tem sentido, na sociedade
contemporânea, falar e, sobretudo, fazer uma experiência de CEBs. A partir
desta indagação, intuí alguns palpites que partilho com quem continua
trabalhando para manter acesa a lamparina (cf. Lc 11,33-36).
Começo, propositadamente, com uma provocação que
vem sendo usada para descaracterizar ou, pelo menos, relativizar a presença e
missão das CEBs em nossos dias, a saber, a sociedade globalizada.
Muita gente acredita e divulga que na forma de
organização social atual, com a primazia do mercado e, com ele, as relações subordinadas
ao capital e ao lucro, ou o avanço tecnológico que impõe conhecimento e
informação, e tudo o que daí decorre, não haja mais lugar para a construção de
comunidades ou a realização de um projeto autenticamente comunitário. Ou seja,
na sociedade, tal como está aí, hoje, seria utópico pensar e apostar na força
da união, do “um por todos e todos por um”, pois a lei da competição defende
que é cada um por si mesmo e ponto. Uma teoria que, é bem verdade, no contexto
do capitalismo neoliberal faz sentido e expressa o sentimento comum daquelas
pessoas que assimilaram e introjetaram a ideologia dominante. O mais
interessante, porém, é que quem continua atento e fiel aos “sinais dos tempos”
e lugares, pode usar o mesmo argumento do neoliberalismo e da globalização para
contestar esta posição conservadora que não representa mais que a manutenção do
status quo.
O atual sistema social supõe e impõe critérios e
estilos de vida frontalmente opostos ao cristianismo que, desde sua origem,
sustenta que ser cristão passa pela adesão ao espírito comunitário (cf. At
2,42-47; 4,32-37; 5,12-16) ou, se preferirmos, a fé cristã, que é
obrigatoriamente mediada por relações de amor e fraternidade (cf. 1Jo 4,12) só
pode ser experimentada em comunidade, e nunca fora dela (cf. Jo 20,19-29). A
sociedade globalizada postula intimismo, individualismo, consumismo,
competição, lucro e tudo o que submete a vida humana e ecológica à soberania do
mercado; a relação de comunidade (comum-unidade) se estabelece, em
contrapartida, pela abertura, diálogo, respeito, comunhão, participação,
solidariedade, partilha, e tudo quanto define as relações interpessoais que,
mesmo reconhecendo e valorizando a individualidade (cada pessoa), sobrepõe o
“nós” comunitário ao “eu” egoísta ou individualista; o “nós” comunitário está
impregnado da dimensão do todo, preocupando-se e ocupando-se do bem comum; o
“eu” egoísta, por natureza, “ensimesmado”, concebe e constrói as relações,
tendo em vista o eventual proveito que delas poderá tirar.
Toda esta desafiadora conjuntura exige respostas rápidas e eficazes para enfrentar, combater e substituir as relações mercantilistas, tipicamente neoliberais, por relações humanas, mais fraternas e solidárias, que assumam como ponto alto do seu compromisso o cuidado e a defesa da vida humana e ecológica. Ora, para realizar este grande “mutirão pela vida”, a única alternativa viável é a construção de comunidades e/ou grupos que, amando-se e apoiando-se, se solidarizem e, solidarizando-se, se protejam e colaborem para proteger e defender a dignidade, a vida e o bem comum, patrimônios indeléveis da humanidade.
É claro que, na prática, a tarefa não é fácil. Na
realidade urbana, por exemplo, as pessoas recebem muito mais informação e são
mais contaminadas pela mídia elitista e globalizada. Situações como as de
condomínio fechados, com porteiros eletrônicos, câmeras internas etc., serão,
com certeza, um dos maiores desafios para “fazer comunidade” e evangelizar a
cidade. Não obstante, já vemos despontar em regiões urbanas experiências de
condomínios, ou parte deles, que se abrem para encontros semanais de círculos
bíblicos, onde se realiza a profecia de Jesus: pobres evangelizando ricos.
Agentes de pastoral, em geral, de classe média baixa para pobre, que vão aos
prédios semanalmente para colaborar com os moradores na leitura orante da
Bíblia, com o velho conhecido objetivo de transformar a realidade à luz da
Palavra de Deus. Eu mesmo sou testemunha, a partir das Visitas Pastorais, de
Paróquias, na área urbana da Arquidiocese de Juiz de Fora, que acreditam e
alimentam o espírito de pequenas comunidades, com círculos bíblicos, em
encontros periódicos que se realizam em garagens, varandas ou até mesmo em
baixo de uma árvore.
Um exemplo que ilustra esta presença das CEBs, fermento da nova sociedade e inserida no novo contexto social é um de nossos jovens da periferia, de família que vive abaixo da linha da pobreza, mas que conhece e trabalha a Bíblia em linguagem popular como ninguém.
Em um dos encontros que
assessorou, conheceu uma dessas madames de condomínio fechado, que se encantou
com sua fala. Chamou-o ao término do encontro e lhe perguntou se, caso ela
organizasse um grupo em seu condomínio, ele estaria disposto a uma primeira
conversa com o pessoal. O rapaz respondeu que sim e, de fato, foi a primeira
vez. Todos gostaram e pediram que fosse uma segunda, e assim o grupo engrenou.
Com o passar do tempo, os participantes descobriram quem era o jovem que os
servia com a reflexão da Palavra: pobre e sem condições sequer de manter seus estudos.
A partir daí a Palavra se torna luz que brilha na ação organizada e solidária
do grupo (cf. Mt 5,16) e hoje, com a contribuição de todos os seus membros, o
jovem tem garantido seu direito de estudar.
Alguém poderia alegar: mas neste
caso a solidariedade aparece como uma opção individualista que resolve apenas
um problema pessoal e não comunitário ou coletivo.
Seria, se o mesmo grupo não tivesse se mobilizado e
assumido o plebiscito contra a privatização da Vale do Rio Doce, na semana da
Pátria de setembro de 2007. Ou seja, a reflexão deu origem à construção da
experiência comunitária, levando o grupo de classe média a assumir, à luz da
Palavra de Deus, uma opção de classe: opção pelos pobres na solidariedade com o
jovem, e opção pela classe popular na luta pelos direitos de todos. Conjugados,
estes são os elementos constitutivos das CEBs.
Respondendo ao novo contexto social, a V Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho) questiona a atual estrutura paroquial que já não responde aos grandes desafios dos tempos modernos (cf. DA - Documento de Aparecida 173), e lança o apelo para transformar a paróquia em uma “rede de comunidades e grupos” (DA 172). Claro está que a Paróquia não é uma CEB, mas uma rede de comunidades missionárias, donde a importância de sua “setorização em unidades territoriais menores... que permitam maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região” (DA 372). Por isso, reconhece nas CEBs verdadeiras “escolas” (DA 178) que “demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os mais simples e afastados, e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São fonte e semente de variados serviços e ministérios a favor da vida na sociedade e na Igreja” (DA 179).
As CEBs nos tempos atuais se justificam e se impõem como o meio mais coerente e eficaz de ser cristão, pois na atual conjuntura de empobrecimento e exclusão das massas, não há outro caminho, para a sobrevivência dos pobres, que não sejam comunidades humanas, humanizadas, fraternas e solidárias, que têm a missão de acolher e cuidar de todos, no mesmo espírito de Atos dos Apóstolos.
Respondendo ao novo contexto social, a V Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho) questiona a atual estrutura paroquial que já não responde aos grandes desafios dos tempos modernos (cf. DA - Documento de Aparecida 173), e lança o apelo para transformar a paróquia em uma “rede de comunidades e grupos” (DA 172). Claro está que a Paróquia não é uma CEB, mas uma rede de comunidades missionárias, donde a importância de sua “setorização em unidades territoriais menores... que permitam maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região” (DA 372). Por isso, reconhece nas CEBs verdadeiras “escolas” (DA 178) que “demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os mais simples e afastados, e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres. São fonte e semente de variados serviços e ministérios a favor da vida na sociedade e na Igreja” (DA 179).
As CEBs nos tempos atuais se justificam e se impõem como o meio mais coerente e eficaz de ser cristão, pois na atual conjuntura de empobrecimento e exclusão das massas, não há outro caminho, para a sobrevivência dos pobres, que não sejam comunidades humanas, humanizadas, fraternas e solidárias, que têm a missão de acolher e cuidar de todos, no mesmo espírito de Atos dos Apóstolos.
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